Pai,
Prometi (não a ti mas a mim) que não vou escrever coisas mórbidas. Acho que não irias gostar. Mas olha, acho que não consigo melhor que isto.
As pessoas, quase todas, dizem-me, repetidamente (e tu sabes, como poucos, o que detesto que me repitam a mesma coisa - tal como tu, só preciso que me digam uma vez) o quão forte eu sou. Sinto sempre que é um insulto a ti, que estão a dizer que não gosto de ti o suficiente e que não estou a sofrer. Fico sempre a pensar que estás a ouvi-los e ficas a questionar se eu estarei triste. Estou tão triste que não tenho palavras para descrever.
Já sei que não gostas de me ver triste mas, caramba, então podias ter acordado, não? Eu sei que não podias e que tentaste. Não estou chateada contigo. Mas estou muito chateada por não poder ir tomar o café contigo antes do Natal e dizer a falta - a enorme falta - de vontade que tenho em celebrar o Natal. Não é coisa que se diga, não fica bem, o Natal é da família e as filhoses tão boas, tão bonitas, tão loirinhas. Tu percebias o meu enfado em ter que embrulhar prendas e prendinhas para pessoas que mal conheço e ter que jantar bacalhau cozido que não gosto, muito menos se for obrigada. Tu percebias a espécie de urticária que me davam aquelas músicas de Natal nas lojas quando a mãe se lembra que falta mais não sei o quê para não sei quem. Tu percebias que eu adoro a mãe, a minha verdadeira melhor e incondicional amiga, mas que não lhe posso dizer que detesto o Natal como te digo a ti porque ela não percebe o meu enfado e enjoo perante a ideia da noite de Natal. Tu sabes do que falo e do que estou a censurar aqui.
Estou mesmo, mesmo muito, chateada por não poder tomar mais cafés contigo e retribuir o teu sorriso quando a mãe diz "a minha mala fica aqui". Estou muito chateada por não poder ir contigo ao Centro Comercial Alvalade (mas parece que não estamos a perder muito, pelo pouco que pude ver quando estive lá). Estou muito chateada por tudo o que não te disse, pela viagem a Berlim que não fizemos juntos. Estou muito chateada porque não te mostrei fotografias suficientes dos lugares que gostavas de ter visto. Estou muito chateada por nunca ter dado importância quando dizias "o coração do pai está muito fraquinho". Achei sempre que davas muita importância a dores de cabeça e constipações e que isso era igual.
Pai, não sei nada. Não tenho nenhuma religião, não sei bem no que acredito. Talvez por isso me seja mais difícil aceitar que te perdi, não sei se te volto a ver, não sei o que há e se há alguma coisa a seguir. Mas se houver e se de algum modo puderes saber quem és, quem foste e quem eu sou, eu estou triste e não estou a lidar bem com nada disto e não, não sou nada forte. E não quero ser. Estou cansada e cheia de medo, restam-me tão poucas pessoas e nunca será tempo suficiente.
Prometi (não a ti mas a mim) que não vou escrever coisas mórbidas. Acho que não irias gostar. Mas olha, acho que não consigo melhor que isto.
As pessoas, quase todas, dizem-me, repetidamente (e tu sabes, como poucos, o que detesto que me repitam a mesma coisa - tal como tu, só preciso que me digam uma vez) o quão forte eu sou. Sinto sempre que é um insulto a ti, que estão a dizer que não gosto de ti o suficiente e que não estou a sofrer. Fico sempre a pensar que estás a ouvi-los e ficas a questionar se eu estarei triste. Estou tão triste que não tenho palavras para descrever.
Já sei que não gostas de me ver triste mas, caramba, então podias ter acordado, não? Eu sei que não podias e que tentaste. Não estou chateada contigo. Mas estou muito chateada por não poder ir tomar o café contigo antes do Natal e dizer a falta - a enorme falta - de vontade que tenho em celebrar o Natal. Não é coisa que se diga, não fica bem, o Natal é da família e as filhoses tão boas, tão bonitas, tão loirinhas. Tu percebias o meu enfado em ter que embrulhar prendas e prendinhas para pessoas que mal conheço e ter que jantar bacalhau cozido que não gosto, muito menos se for obrigada. Tu percebias a espécie de urticária que me davam aquelas músicas de Natal nas lojas quando a mãe se lembra que falta mais não sei o quê para não sei quem. Tu percebias que eu adoro a mãe, a minha verdadeira melhor e incondicional amiga, mas que não lhe posso dizer que detesto o Natal como te digo a ti porque ela não percebe o meu enfado e enjoo perante a ideia da noite de Natal. Tu sabes do que falo e do que estou a censurar aqui.
Estou mesmo, mesmo muito, chateada por não poder tomar mais cafés contigo e retribuir o teu sorriso quando a mãe diz "a minha mala fica aqui". Estou muito chateada por não poder ir contigo ao Centro Comercial Alvalade (mas parece que não estamos a perder muito, pelo pouco que pude ver quando estive lá). Estou muito chateada por tudo o que não te disse, pela viagem a Berlim que não fizemos juntos. Estou muito chateada porque não te mostrei fotografias suficientes dos lugares que gostavas de ter visto. Estou muito chateada por nunca ter dado importância quando dizias "o coração do pai está muito fraquinho". Achei sempre que davas muita importância a dores de cabeça e constipações e que isso era igual.
Pai, não sei nada. Não tenho nenhuma religião, não sei bem no que acredito. Talvez por isso me seja mais difícil aceitar que te perdi, não sei se te volto a ver, não sei o que há e se há alguma coisa a seguir. Mas se houver e se de algum modo puderes saber quem és, quem foste e quem eu sou, eu estou triste e não estou a lidar bem com nada disto e não, não sou nada forte. E não quero ser. Estou cansada e cheia de medo, restam-me tão poucas pessoas e nunca será tempo suficiente.
Primeiro o choque, depois a revolta e por fim a eterna saudade. São todas fases dolorosas e, por estranho que isso lhe possa soar, tem de as sentir profundamente até as quase esgotar. E é precisamente esse o principal problema de sentirmos a idade passar por nós - perder pessoas que amamos. E sim, é forte. É forte porque não tem outro remédio senão o de ser forte. Ninguém que perde um bocado de si é fraco!
ReplyDeleteUm beijo.
obrigada pelas palavras e força.
DeleteUm grande e apertado abraço.
ReplyDeleteObrigada Pólo.
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