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Wednesday, November 26, 2014

O peixe Vermelho

Era uma vez (não é assim que se contam todas as histórias? Ou por ser peixe terei outras regras para começar uma história?)... Dizia eu: era uma vez... um peixe vermelho.

O peixe foi comprado numa loja cheia de cores com paredes de vidro ora cheias de água com peixes pretos e azuis, ora com peixes com uma espécie de cauda gigante em tons de roxo, ora com peixes laranja com umas riscas brancas e umas linhas pretas de fora que eram muito populares. Estes peixes laranja chegavam à loja tão depressa quanto saíam. Quando as paredes deles estavam vazias, logo se ouviam reclamações: "onde estão os nemos? Preciso de um nemo igual ao da semana passada". Nunca percebi porque é que queriam tantos nemos. Será que as paredes das casas daquelas pessoas são enormes e todas habitadas por nemos? Será que as pessoas gostam muito da combinação de laranja com branco e preto? Será que as pessoas conseguem falar com os nemos?

A loja também tinha umas paredes de vidro que as pessoas chamam de montra. Nessas paredes, estavam quase sempre cães castanhos claros e gatos pequenos com pêlo enorme, regra geral, brancos. Nunca crescem os cães e os gatos que vivem nas montras. Não sei se crescem nas casas das pessoas que os compram ou se não chegam a crescer, talvez as montras sejam mágicas. As pessoas parecem gostar mais de peixes do que de cães e de gatos. As pessoas entram e olham para os cães e gatos mas nunca compram 2 ou 3 gatos. A nós, peixes, chegam a comprar 5. Ouvi muitos números na loja, estava perto da máquina registadora e as pessoas gostam de números mas cada uma tem uma relação diferente com eles - as que estão atrás da máquina sorriem com números grandes e as que estão do outro lado parecem preferir números mais pequenos. Não percebo porque é que as pessoas gostam de números, os números não têm cores, são sons e não sei como são, ao contrário dos gatos e dos cães que têm pêlo e falam numa língua que não percebo mas falam.

Ainda não disse como eram as minhas paredes quando vivia na loja. As minhas paredes eram arredondadas e o chão por baixo das paredes tinha umas pedrinhas cinzentas, que cor horrível, queria tanto ter um chão verde como os nemos. As minhas paredes formavam assim uma espécie de suite mas muito solitária, vivia ali sozinho sem outros peixes iguais a mim. Eu sou um peixe vermelho e, na loja, não havia mais nenhum como eu. Talvez por eu ser diferente, quiseram colocar-me numas paredes também diferentes para verem-me melhor. Mas com a popularidade dos nemos, foi muito difícil repararem em mim.

Um dia, finalmente, a minha sorte mudou. Não haviam nemos e, segundo a senhora da bata azul, só viria um novo stock de nemos dali a 15 dias. O menino que vinha de mão dada com o pai apontou para mim e disse "eu gosto é daquele, vamos levar o verde". Coitadinho, deve ser daltónico mas, com o tempo, ele vai perceber que eu sou um peixe vermelho, talvez seja da luz da loja ou talvez esteja confuso com estas cores todas.

(continua, quando me lembrar do resto)



Friday, November 21, 2014

Cultura ou ausência dela?

É comum, nisto da cultura, trabalhar de graça. É comum, nisto da cultura, fazer estágios não remunerados até aos 30 anos. É comum, nisto da cultura, apresentarem propostas de - espera, como é que vou dizer o que estou a pensar, só um momento para acalmar e procurar o meu lado diplomata - propostas de ordenado mínimo a pessoas com doutoramentos como se fossem oportunidades fantásticas de crescimento. É comum, nisto da cultura, termos pessoas a trabalhar ao abrigo do 1º emprego quando já vão no 3º. É comum, nisto da cultura, mascarar recibos verdes de emprego.

Mas, nisto da cultura também é comum ter cargos de direcção com vencimentos iguais a de empresas não culturais. É comum, nisto da cultura, haver ordenados a sério, daqueles normais em que não é preciso contar os cêntimos para pagar a renda. É comum, essas pessoas que andam com iPhone numa mão, iPad na outra e BMW estacionado à porta, dizerem que o lugar que dirigem é assim, como dizer? Um lugar de cultura, sem fins lucrativos, estamos todos no mesmo barco (só que o meu barco é o metro e o deles é o assento do BMW) e pronto, têm que oferecer cargos séniores pelo valor de um estágio - literalmente. Na verdade, não é literalmente, são menos uns euros mas vamos arredondar as contas. Nisto da cultura, é comum baixarmos a cabeça, aceitarmos tudo com naturalidade porque temos culpa de fazermos o que gostamos. A culpa, afinal, é nossa. Quem nos mandou estudar isto de cultura? Que audácia é essa de ir trabalhar e gostar do que se faz? Era o que faltava! Fazes o que gostas? Então pagamos-te uma - espera, outra vez, um momento para não dizer o que estou a pensar - não resultou, temos pena - uma verdadeira merda. Vão-se todos lixar.

É isto a cultura? Então, se é isto, fiquem com ela e com as vossas oportunidades, façam vocês o trabalho que estão a pedir que vos façam porque eu, meus amigos da cultura, não o farei. Eu não vou contribuir para o vosso não sistema.