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Tuesday, December 31, 2013

A minha avó costumava afirmar mais do que perguntar, a propósito da minha preferência desmedida pelo amarelo, "o que seria do mau gosto se não houvesse amarelo?". Estava aqui a tentar lembrar-me quando é que o amarelo se tornou a minha cor preferida. Não me lembro de ter outra cor preferida, na verdade. Cheguei então a uma das minhas memórias mais antigas.

Um dia de manhã, teria eu uns 4 anos, acordei com um barulho estranho que vinha da sala de jantar. Levantei-me e encontrei o meu pai a correr pela sala. Duas coisas estranhas: o meu pai, àquela hora, em casa; o meu pai a correr e gesticular freneticamente. O meu pai sempre foi uma pessoa muito calma, não me lembro de ouvi-lo gritar, falar alto, correr então nem pensar. À excepção desta vez. O meu pai corria e gesticulava para apanhar um canário amarelo que entretanto estava no topo de uns cortinados horríveis, com muitas rendas, que tapavam a vista para a varanda que eu tanto gostava. Tinha-o encontrado na nossa rua, junto a um carro. Ou foi essa a história que ele contou e talvez o canário tenha vindo da loja de animais mais próxima, haviam duas ali perto mas o meu pai era um excelente contador de histórias.

O canário amarelo, aquele bicho tão pequeno, acompanhou, paciente e alegre, a minha infância com cantorias e pedidos de maçã que só comia da minha mão. Lembro-me tão bem do dia em que me deixou como do dia em que me chegou a casa. Teria uns 12 anos, era um Domingo. Sei que era Domingo porque era dia de missa que a minha mãe insistia em levar-me mesmo ela sendo proibida pela igreja de comungar. A minha mãe tem uma capacidade de perdão e compreensão que eu, provavelmente, jamais terei. O canário amarelo estará agora com o meu pai que o resgatou da rua ou da loja, é um segredo deles. Mas é às características alegres, esvoaçantes e de companheirismo que associo o amarelo.
Piotr Pietrus
Various I
© Piotr Pietrus
O Marylin Manson disse, numa entrevista, qualquer coisa como "não sei se quero salvar o mundo porque não sei se o mundo merece ser salvo". O mundo, para mim, merecerá sempre ser salvo. A natureza, os animais, o mundo em si, não fizeram mal nenhum. Os seus habitantes humanos, esses, tal como o Marylin Manson, não sei se merecem ser salvos. Mas acredito que merecem a oportunidade de mudar. Resta saber como fazer o ser humano, esse ser tão evoluído, perceber que precisa mudar.

Monday, December 30, 2013

As tardes de chuva passadas atrás de uma janela com vista para um jardim, cheiram-me sempre a torradas e doce de morango.

Até aos meus 5 anos, a minha avó torrava pão e barrava-o, generosamente, com doce de morango da Casa Mateus. Muitas vezes, queimava o pão em vez de torrá-lo. Não era uma avó dita tradicional, daquelas dos contos infantis, muito perfeitas, velhinhas e doces, que adoram cozinhar. A minha avó, alta, elegante, cheia de força e segurança, de olhos muito azuis e cabelo de uma cor que nunca consegui descrever mas nunca foi branco nem grisalho, não gostava de tachos e panelas. Mas fazia umas torradas, que mesmo queimadas, tinham um cheiro único. Era um cheiro de conforto, com a chuva lá fora e nós lá dentro, a ouvir a chuva a cair no telhado e a vê-la pelas janelas enormes que davam para as traseiras, onde havia uma espécie de jardim. As torradas anunciavam que seriam perto das 17h e que, dali a pouco, viria a minha mãe para irmos a um jardim. Se estivesse a chover, teria direito às galochas coloridas e a saltar nas poças sem repreensões.

As tardes de chuva passadas atrás de uma janela com vista para um jardim, cheiram-me sempre a torradas e doce de morango. E ao conforto do colo da minha avó e dos passeios com a minha mãe e irmã nas tardes de chuva calçadas de galochas coloridas.
Divertem-me as biografias escritas pelos próprios que, não sendo assumidamente auto-biografias, são redigidas, de fio a pavio, na terceira pessoa do singular. Lembram-me sempre a história que a minha mãe conta de um primo distante que, até aos 10 anos de idade, em vez de usar "eu" nas frases, preferia sempre "o Manel".
Listas e planos. Podia escrever uma lista do que fiz e deixei de fazer em 2013. Podia planear tudo o que quero ler, ver, visitar, fazer, em 2014. Mas, em 2013 aprendi que, por mais listas e planos que faça, há sempre tantas coisas inesperadas que, reflectir sobre um ano que passou e projectar um ano que vem, não influencia muito do que possa ou não acontecer, com todas as coisas boas e menos boas.

Sunday, December 29, 2013

Um fenómeno dos tempos ditos globais: juntar, na mesma frase, palavras em dois ou três idiomas.

Tuesday, December 17, 2013

Sempre gostei mais de comércio tradicional do que de centros comerciais. Sempre preferi comprar nas lojas em que posso falar com as pessoas do que comprar o que quer que seja atrás de um ecran. Sempre preferi falar com as pessoas até as pessoas se tornarem completas idiotas que se esquecem que, sendo ou não sendo proprietárias das lojas, dependem das vendas. Independentemente de dependerem ou não das vendas, se estão a trabalhar e passam ali os dias, talvez seja melhor estarem bem dispostas e não me parece que seja a chatear um cliente que se consiga boa disposição e vontade de ficar ali o dia todo. Sempre fui muito mais analógica do que digital mas faço cada vez mais compras online e a razão principal não é, certamente, não encontrar o que quero de outra maneira. As pessoas, que eram a razão que me levava a continuar a comprar em lojas físicas, são a mesma razão que me leva a começar a preferir fazer as compras atrás de um ecran sem ninguém a fazer perguntas estúpidas, a responder "não" antes de ouvir a pergunta até ao final e revirares de olhos. E não me orgulho nada de não encontrar uma solução melhor.
Há uns anos, tinha muito bom feitio. Até diziam, com aquele ar simpático, quase maternal, que eu era uma pessoa "fofinha, muito querida". Há muito tempo que os meus amigos e conhecidos não me dizem tal coisa. Lembro-me de uma professora de filosofia, talvez no 9º ano, dizer que não queria ser "boazinha" porque, para a maior parte das pessoas, ser boazinha era igual a ser parvo. Na altura, não percebi.

De há uns anos para cá, o meu bom feitio de outrora classificado por amigos e conhecidos de "fofice e queridice", transformou-se no que as mesmas pessoas e outras com quem fui cruzando caminhos, chamam agora de "grande acertividade e segurança". Parece-me que se a minha professora de filosofia pudesse dizer alguma coisa sobre o assunto, diria que essas características, para a maior parte das pessoas, são iguais a ser arrogante.

Hoje, a pedir um café em Francês, um idioma que domino quase tão bem como Mandarim ou Grego, fui alvo, mais uma vez, de revirar de olhos. Nos últimos anos, tenho constatado que o atendimento ao público deve ser algo de extremamente doloroso pelos esgares e falta de educação de que sou alvo fácil em culturas que não domino mas também em culturas que conheço bem. No último ano, já perdi a conta das vezes em que chamei um gerente, escrevi uma carta de reclamação ou respondi no mesmo tom (perdendo, claramente, a razão). Hoje, decidi tentar ter bom feitio e escolhi pensar que este rapaz de olhos incrivelmente redondos (ou ficaram demasiado redondos quando os revirou, não sei) pode ter muitos problemas e tem direito a um dia mau. Respondi-lhe com o meu melhor sorriso e um "Muito obrigada pelo café, está óptimo. Espero que tenha um bom dia." E não é que ele sorriu e os olhos ficaram fixos sem revirar e até pareceram fazer parte do sorriso? Talvez seja parva aos olhos de muitos, arrogante aos olhos de tantos outros mas, o que gostava mesmo, era de não precisar de ser nem uma nem outra. Mas, para isso, era preciso todos aprendermos o significado de respeito pelo próprio e pelo outro, sem artifícios e sem esforços, que é uma tarefa, aparentemente, muito complicada.

Wednesday, December 11, 2013

“Ideally, what should be said to every child, repeatedly, throughout his or her school life is something like this: 'You are in the process of being indoctrinated. We have not yet evolved a system of education that is not a system of indoctrination. We are sorry, but it is the best we can do. What you are being taught here is an amalgam of current prejudice and the choices of this particular culture. The slightest look at history will show how impermanent these must be. You are being taught by people who have been able to accommodate themselves to a regime of thought laid down by their predecessors. It is a self-perpetuating system. Those of you who are more robust and individual than others will be encouraged to leave and find ways of educating yourself — educating your own judgements. Those that stay must remember, always, and all the time, that they are being moulded and patterned to fit into the narrow and particular needs of this particular society.” 

― Doris LessingThe Golden Notebook

Monday, December 9, 2013

A minha árvore de Natal preferida é uma obra de arte. Assim ao género da Branca de Neve do César Monteiro. Ela está aqui só que ninguém a vê.
Nome xpto 01;
Licenciado em Física pela Universidade de Não Interessa, uma Cidade Qualquer Portuguesa;             
Doutor em Engenharia de Qualquer Coisa, é Engenharia não chateiem o Senhor, ser Engenheiro ou Doutor é suficiente, tanto faz o quê, pela Universidade de tanto faz mas fora de Portugal, de preferência no Reino Unido ou Estados Unidos, a beleza da União;
Doutor Honoris Causa pela Universidade de outro sitio qualquer, aqui já não interessa onde;
Investigador Coordenador no Instituto qualquer;
Agregado pelo Faculdade Pública qualquer Portuguesa que aqui faz sol todo o ano;
Membro da Academia tanto faz;
Professor Catedrático;
Professor Catedrático numa Faculdade qualquer, aqui já não interessa.
Supervisor da Tese.

Nome xpto 02;
Licenciada em Tanto Faz;
Mestre em Qualquer Coisa, até pode ser Teoria do Fósforo;
Doutora em Qualquer Coisa, pode ser Teoria de Acender o Fósforo Sem Partir o Fósforo;
Professora Auxiliar numa Universidade Qualquer do Estado;
Professora Auxiliar na Universidade (não sei o porquê da repetição).    

Nome xpto 03;
Licenciado em Tanto Faz;
Mestre em Tanto Faz 02;
Doutor em O Tratado do Tanto Faz;
Agregado pela Universidade Qualquer do Estado;
Professor Associado com Agregação Seja Lá o que isso quer dizer, estamos a falar para académicos não é suposto mais ninguém saber o que é se nós também não sabemos;
Professor Associado com Agregação no Instituto de Qualquer Coisa.
Presidente do Tanto Faz mas aqui convém que seja privado que também é preciso ganhar bem.

Tinha aqui mais 4 perfis mas dá para ter a ideia. Foi tudo adaptado de perfis reais muito académicos muito sérios. Deve dar uma trabalheira escrever estes perfis, ser estes perfis. Deve dar uma trabalheira ficar ofendido quando não se é reconhecido como Prof. Dr. Xpto e apenas Xpto, uma verdadeira trabalheira. Deve dar uma trabalheira aos senhores que fazem as inscrições nas lápides ter que escrever esta parafernália toda na pedra (o negócio da pedra está aqui a apresentar-se como uma oportunidade de negócio, atentem), porque morrer Doutor Honoris Causa é tão diferente de morrer com a 4ª classe. Deve dar uma imensa trabalheira tirar aquelas fotografias com a toga e o fato do miúdo do filme, o Potter. Deve dar uma imensa trabalheira manter a pose e tirar da cartola frases e palavras que ninguém percebe porque o conhecimento é para exibir, não para partilhar. Vida cansativa a vida do académico. Do académico pedante.