ESTES CONTOS
- Carlos Drummond de Andrade
Há muita coisa a emendar em meus contos. Às vezes eles saem totalmente ao contrário daquilo que pretendiam contar. Costumam até ficar melhor, mas nem sempre.
Certos contos, os mais simples, parecem inverossímeis, e os inverossímeis, pois também escrevi alguns desta natureza, despertam o comentário: “Daí, quem sabe? Tudo pode acontecer”.
Tenho a impressão de que tudo pode mesmo acontecer em matéria de contos, ou melhor, no interior deles. Houve um que se recusou a terminar, como se dissesse: “Fica tão bom assim… Só você não percebe isto”.
Duas historietas exigiram que as concluísse confessando minha incapacidade de contista. Como eu me recusasse a atendê-las, retrucaram: “Não faz mal. Não é preciso confessar; todos sabem”.
Só um de meus contos me acompanha por toda parte, ao jeito de gato fiel, sem que o faça para pedir alimento. É um continho bobo, anão, contente da vida. Vai no meu bolso. Não o leio para ninguém. Seu calor me agasalha. Já não me lembra o que diz, pois nunca o releio, mas sei que é raríssimo o texto que seja amigo do autor, e quanto a este, não duvido. Meu melhor amigo é um continho em branco, de enredo singelo, passado todo ele na antena esquerda de um gafanhoto.
- Carlos Drummond de Andrade
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