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Sunday, September 22, 2013

Um canalizador é pago. Quando vamos a um café, pagamos o café ou seja lá o que for. Um engenheiro não faz um desenho ou projecto sem que lhe paguem. Um advogado (a menos que esteja a trabalhar pro bono - e isto tem muito que se lhe diga) é pago para defender alguém ou alguma coisa. Um designer, um artista, um curador, ser pago? A quantidade de trabalho não falta. Mas vem seguida de "regime voluntário". Claro que também há estágios mas há algum pudor em propor estágios a pessoas com cerca de 30 anos. Então, nada como propor oportunidades. É uma oportunidade trabalhar com X, ou Y ou Z ou para as instituições, fundações, museus, o raio de graça porque "é uma oportunidade".

Será que posso dizer no próximo café em que entrar que eles estão a ter uma fantástica oportunidade de aperfeiçoar a técnica do café porque posso dar-lhes dicas de como tirar o café de modo a ficar forte e quente sem demasiada espuma e sem queimarem o desgraçado do café? Soa absurdo. Soa absurdo propor oportunidades, trabalho gratuito a todas as profissões. Excepto às criativas. Afinal, as pessoas criativas estão a divertir-se. Muitas, nem horários têm. Trabalho é no escritório, das 9h às 17h e com horas extraordinárias. Trabalho fora dos moldes, sem horário e local fixo, é brincadeira. Ora, se é brincadeira e os criativos até têm um ar bem disposto, é uma alegria trabalharem, vamos lá dar-lhes mais oportunidades de trabalho - voluntário.

Estas oportunidades vêm em várias formas. "Acreditas nesta causa? Junta-te a nós. Tens é que trabalhar de graça para uma causa que nem é tua mas isso não interessa nada agora." Também há a clássica: "Não tens portfolio / CV, esta é uma oportunidade excelente de trabalhares com X e Y e ficares por dentro e olha, ficas com trabalho feito." De graça pá, de graça! Mas será que os criativos não comem e não pagam casa e médicos e farmácia e contas? Seremos uma espécie diferente?

Licenciei-me em Design de Comunicação há 10 anos. Trabalho como curadora (não, não é decoradora) e critica de arte há 7 anos. Trabalhei em Agências de Publicidade, Ateliers, trabalho em Museus, Faculdades, Fundações. Com 32 anos de vida, quase 20 de estudo, 10 de experiência de trabalho, raras vezes agora mas serão sempre demais, ainda me vêm com oportunidades de trabalho voluntário (também há à comissão, outro conceito maravilhoso que pensei ser só para os vendedores mas afinal não, também é para nós). Faço algum (cada vez menos e com mais relutância) trabalho de graça quando entendo que as pessoas envolvidas não podem pagar e quando quero. Mas faço-o agora porque tenho uma base suficiente para me colocar comida à mesa. E, sinceramente, não sei se o deveria fazer de todo porque se ninguém fizer, estas oportunidades falsas irão desaparecer por falta de resposta.

O problema é que estas fantásticas oportunidades são responsáveis do facto dos recém licenciados, recém mestres, de áreas como design e curadoria (provavelmente outras também mas estas são as que conheço) sejam obrigados a trabalhar num dos tais trabalhos das 9h às 17h, por turnos, em call-centers e afins para pagarem as contas e poderem continuar a fazer o que gostam. Como se fosse um crime trabalhar no que se gosta e fosse preciso passar por uma espécie de provação. Digo e repito, não passo "oportunidades" para pessoas, sejam ex-colegas, colegas, ex-alunos ou alunos de trabalho voluntário gratuito. Há pessoas que se vêm forçadas, desesperadas por trabalhar na área para a qual estudaram e acreditam que esta é uma via. talvez seja mas não ad eternum. E é mesmo preciso pôr comida no prato, tal como o canalizador tem fome, nós também temos. Querem um logotipo? Querem uma exposição? Paguem. Não vou alimentar um não sistema e não vou ajudar ninguém a alimentá-lo. 

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