As coisas têm tendência a parecer melhores se forem colocadas a alguma distância. Tive uma professora de MTEP (Materiais e Técnicas de Expressão Plástica), no 10º ano, que me dizia sempre para olhar para os meus desenhos e (tentativas de) pinturas à distância, na técnica do afastamento. Sim, porque naquele ano aprendi e acreditei piamente que há uma técnica de afastar os desenhos, de nome "técnica do afastamento". A minha professora, com uns olhos muito verdes e sempre com roupas muito coloridas, aquelas cores fortes e saturadas que poucos têm a coragem de vestir, pegava sempre na folha com o desenho ou na tela com a pintura e levava-o, sob o meu olhar entre o desconfiado e o desolado, para cerca de 5 metros de distância, para a ponta mais oposta possível da sala. Perguntava-me "não vês, agora, com o afastamento, como está tão bem?" Do topo dos meus 15 ou 16 anos, lá dizia "sim, sim, está perfeito!", com todo o entusiasmo que conseguia. Claro que estava longe da perfeição e quanto mais perto eu chegava mais imperfeições via. No entanto, depois daquele momento do tal afastamento, nunca consegui voltar à sensação de quase ódio ao desenho ou pintura e, depois de o dar à professora e não voltar a vê-lo, ficava com a sensação de que, afinal, até estava bonito. Às vezes, é bom dar uns passos atrás, olhar para o todo e perceber que afinal até é bom, mesmo que seja necessária uma distância. Porque aquilo que vemos nunca é exactamente o que pensamos que vemos.
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Thursday, March 21, 2013
Todas as terras deviam ser assim
A minha terra tem um "Escondidinho". Tem um "Os Três Irmãos" e uma "Avenida da Liberdade", uma "Baixa" e uma "Rua Direita". Tem uma padaria numa esquina, é a padaria do Sr. Albano e da D. Maria que vivem no 4º direito, mesmo ao lado
dos meus avós, que vivem no 4º esquerdo do nº4 da Rua Ferreira Da Silva. No andar de baixo, vivem a D. Pilar e o Sr. Pedro.
A D. Pilar trabalhou a vida toda na Pollux, ali na Rua dos Fanqueiros, na Baixa. É nessa rua que eu e a minha avó procuramos lojas de tecidos mas acabamos sempre na Rua Augusta, na Casa Frazão. Não me lembro do nome do Senhor que nos atende mas lembro-me que tem mudanças de humor muito estranhas, ora mostra os tecidos todos com todo o cuidado do mundo, ora nos despacha. A minha avó escolhe os tecidos com uma rapidez que sempre a caracterizou, quer sempre tudo para ontem, acabar antes de começar. Pega nos veludos, nos pied-pouls, nos xadrezes encarnados impossíveis e naquele tecido azul muito forte com os bonecos amarelos e brancos e diz com todas as certezas quantos metros precisa para a saia e para a blusa. Acho que são as certezas que irritam o tal Sr.
A minha terra é cheia de cantos e recantos, cheia de bairros e vidas que se cruzam. Ali, na Rua Ferreira da Silva, há a UCAL, onde a Sra que também não me lembro do nome mas tem uma bata azul escura e o cabelo sempre muito arranjado e escuro e cheio de brilho, me dá sempre uma mousse de chocolate a mais. E ensinou-me a ver e rever o troco e pedir à minha mãe que me desse o troco porque sei fazer contas muito bem. Do outro lado da rua, há a Mercearia do Sr. João e da Dona Cecília. Eles têm um filho muito mais velho, assim muito alto, deve ter uns 18 anos, até deve ser mais velho do que a minha irmã. Deixam-me contar os feijões e abrir as casas das ervilhas e juntá-las todas no alguidar. Se atravessarmos para o outro lado, há a Praça, as letras dizem "Mercado de Arroios" a azul forte mas a minha mãe e a minha avó chamam-lhe praça e vamos lá todos os dias excepto à segunda feira porque não há nada nesse dia. Nunca percebi porquê. A primeira banca dos legumes é da mãe da Ana, que é mais velha que eu mas brinca muito comigo e com a minha irmã lá em casa, debaixo da mesa rectangular da sala. Em frente a uma entrada da praça, há a pastelaria da D. Fátima que tem uns queques diferentes de todos os outros. A minha avó só come aqueles queques e é uma chatice quando a D. Fátima vai de férias no Natal, no Ano Novo e na Páscoa. Quando a minha avó entra e o lugar dela está ocupado, imediatamente todos se levantam e lhe dão o lugar. Acho que é aquele ar decidido, os olhos muito azuis e as histórias que parece ter para contar a qualquer momento mas que nunca conta. Ao lado da D. Fátima mas já em esquina, é a Taberna do Sr. João, onde o meu avô vai jogar dominó com os amigos. A taberna tem um cheiro muito forte, o meu avô diz que é do vinho da casa que está naquelas pipas muito grandes com umas torneirinhas minimas.
A minha terra, a minha Lisboa, é um bairro. O Mercado continua lá, a Rua Ferreira da Silva também, a Taberna, a Padaria e a D. Fátima. Tudo o resto, continuará sempre na minha memória. Sempre que penso na minha terra, volto a ter 6 anos, aqui e agora, é tudo presente e estou na Rua Ferreira da Silva, que estará sempre viva e será sempre também a minha casa, a minha rua, o meu bairro, a minha Lisboa, a minha terra.
(a partir do desafio da Pólo Norte, aqui)
Tuesday, March 19, 2013
Dia do pai.
Hoje é dia do pai. Mas como há mães que são mães e pais e avós e tios e melhores amigas, parabéns mãe.
Friday, March 8, 2013
e por isto, também pagámos?
Texto de Pedro Bidarra
"A campanha de reeducação de massas, veiculada no sitevisitportugal.com, é uma coisa tão bafienta, tão neo estado-novo, tão “Ó tempo volta p'ra trás”, que não me admirava que os verso da Grândola (sem eu querer) começassem a aparecer pelo meio deste texto (ver vídeo aqui).
O filme começa com dois estrangeiros suspirando pela Ana. “Ai a Ana, ai a Ana”, dizem. “O melhor de Portugal foi a Ana.” E quem é a Ana? Uma rameira? Uma portuguesa comum? A sua filha?
Desconfio que se trata da sua filha, caro leitor. E o Turismo do governo de Portugal quer que ela e os outros portugueses todos, para além do couro e do cabelo que dão aos credores, dêem também o corpo e o conho a quem nos visita.
Este parece ser o objectivo desta indigna campanha, assumida, pelo próprio Turismo, como campanha interna. Uma campanha que visa (imagine-se) educar os portugueses na servidão. É uma campanha que nos incentiva a sermos rameiras e gigolôs ao serviço de quem vem de fora. Uma campanha que reforça a ideia de Portugal como país de serventes sorridentes e lavados, prontos para todo o serviço; que reforça a ideia de um povo criado para ser criado; uma ideia enraizada já por esse mundo fora e que, como estudos demonstraram (como se não bastasse o bom senso), nos retira valor. Uma imbecilidade, portanto.
Mas apostar no valor económico da subserviência parece ser a estratégia do Turismo do governo de Portugal. E para tal, vai de fazer o impensável: uma campanha de doutrinação e reeducação de massas; à boa maneira nazi/estalinista.
No filme, para além dos bifes que suspiram de saudades pelo docinho da Ana, ainda se vê uma holandesa que, vinda a Portugal jogar golfe, acabou enrolada com um português; vêem-se duas francesas a recordar a maneira delicada como o senhor António arrumava as toalhas e tinha as camisas bem passadas e tratava da casa-de-banho; vê-se o pobre do Avillez a servir à mesa, tão simpático, tão deferente, tão pouco chef e tão criado; vê-se um senhor de meia idade que sofre de uma estranha compulsão para a subserviência e se manifesta a fazer de guia a uma família de brasileiros. Vêem-se criados. Criados. Só criados, nada mais. Nada de digno, criativo, inteligente, elevado, aspiracional. Só criados.
Esta indecorosa ofensa, esta imbecilidade, esta falta de competência, bom senso, valores e escola, conclui-se com uma citação de Fernando Pessoa. Mas não é bem uma citação de Fernando Pessoa. É um sucedâneo, uma citação tipo-Pessoa. Em vez de “Põe quanto és no mínimo que fazes”, lê-se o erro “ Põe tudo o que és na mais pequena coisa que fazes”.
Tudo o que aquela gente do governo de Portugal é, pôs nesta campanha; e não é nada de bom.
Nunca me senti tão envergonhado com uma coisa feita em meu nome."
Publicitário, sociólogo e autor
Escreve à sexta-feira
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Escreve à sexta-feira
Escreve de acordo com a antiga ortografia
link para o texto: http://www.dinheirovivo.pt/Buzz/Artigo/CIECO109834.html?page=0
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